Os primeiros passos na renegociação do Nafta

A retórica contra o livre comércio e as ameaças de retirada dos Estados Unidos do Nafta tem sido uma constante nos pronunciamentos do presidente Trump. No entanto, a pressão de setores econômicos e de governos estaduais, que possuem fortes relações comerciais com México e Canadá, levou o presidente Trump a mudar sua posição quanto a retirada total dos Estados Unidos do acordo. Após a autorização do Congresso para início das renegociações foram estabelecidos 90 dias de consultas aos grupos empresariais, sindicatos e sociedade civil sobre os principais pontos de interesse para o país. As consultas públicas também foram conduzidas pelos Governos do México e Canadá para subsidiarem as suas posições e conhecer os interesses dos setores domésticos.

O debate sobre a renegociação do acordo não é algo novo na política norte-americana. Durante a gestão do presidente Barack Obama também foi cogitado renegociar e atualizar partes do acordo. Apesar de grande número de estudos demostrarem os ganhos econômicos do Nafta para os seus parceiros , os críticos atribuem ao Nafta os efeitos negativos na oferta de empregos industriais nos Estados Unidos. O déficit na balança comercial entre México e Estados Unidos também reforçam a visão negativa sobre o acordo.

A balança comercial entre Estados Unidos-México era U$ 1.7 bilhões de superávit para os Estados Unidos em 1993 e passou para um déficit de U$ 64 bilhões em 2016. Já o estudo do economista Robert Scott, do Economic Policy Institute, apresentou a estimativa de que, desde os anos 1990, mais de 682,900 postos de trabalho se deslocaram para dos Estados Unidos para os outros membros . Nos seus pronunciamentos, Trump enfatiza estes dois aspectos para reforçar a necessidade de rever o Nafta e torna-lo mais adequado aos interesses norte-americanos.

A posição crítica do governo Trump ficou ainda mais evidente na primeira rodada de negociação, que ocorreu entre 15 e 19 de agosto em Washington . Inclusive, declarações do Presidente Trump indicaram que a retirada dos Estados Unidos do acordo é um cenário possível . Dessa forma, as negociações iniciam-se em um contexto de pressão e com um tom duro por parte dos negociadores norte-americanos.

O processo de negociação e seus prazos
A proposta inicial é finalizar a renegociação até dezembro de 2018, mas o prazo pode ser revisto pelos países. O próximo encontro está previsto para ocorrer na Cidade do México entre 1 e 5 de setembro, seguido da terceira rodada de negociação no final de setembro em Ottawa e a quarta rodada de negociação novamente em Washington em Outubro. Estão programadas sete rodadas de negociação até final de dezembro.

Um dos pontos centrais para que as negociações tenham um ritmo mais acelerado é a eleição presidencial mexicana em 3 de junho de 2018. Os possíveis efeitos econômicos no México, com maiores restrições para as empresas mexicanas no mercado norte-americano e regras mais duras na área trabalhista, poderão aumentar a resistência no Congresso para aprovação do acordo, especialmente entre os membros da oposição atual presidente Enrique Peña Nieto (PRI).

No entanto, dada a natureza da negociação e as diferenças de visões entre os parceiros são poucas as chances de que o acordo entre em vigor nos prazos estabelecidos pelos negociadores. Além disso, o acordo terá que ser submetido ao Congresso dos três países e poderá encontrar resistência entre os congressistas não somente no México, mas também entre os congressistas norte-americanos e canadenses.

A agenda da negociação
De maneira geral, México e Canadá demonstram o interesse em modernizar o acordo e apontam os ganhos obtidos para os países em participar do Nafta. Já o negociador norte-americano Robert Lighthizer mostrou uma visão mais crítica sobre o acordo e os efeitos no mercado de trabalho norte-americano, repetindo a visão corrente do presidente Trump de que o Nafta significou uma forte perda de empregos no país. Além disso, o déficit comercial norte-americano é apontado como um dos desequilíbrios que é preciso ser corrigido na renegociação. Além do déficit nas trocas comerciais com o México, os negociadores norte-americanos indicam o aumento das disputas e contenciosos com os produtos canadenses.

As negociações iniciaram com a questão sobre regras de origem, ou seja, as regras que estipulam quanto um produto pode conter partes de países não-Nafta, mas se beneficiar das regras do Nafta. A proposta dos Estados Unidos é diminuir a proporção de partes de outros países e beneficiar a produção norte-americana. Na visão do Governo, isso aumentaria a produção em solo americano e, consequentemente, aumentaria a oferta de novos empregos. Por outro lado, a alteração das regras de origem pode impactar na produção de bens que estão integrados às cadeias globais de valor, como no caso de produtos automotivos.

O documento do USTR sobre as renegociações do Nafta apresenta também a necessidade de rever as regras trabalhistas e ambientais e, com isso, estabelecer uma maior igualdade de tratamento entre os membros. A inclusão de um novo capítulo relativo a economia digital busca contemplar as novas dinâmicas da economia que não estão atualmente no acordo. A discussão sobre patentes e direitos autorais, a revisão do capítulo sobre serviços e também a aplicação de tarifas nas fronteiras são alguns dos tópicos que serão objeto de análise por parte dos negociadores.

De acordo com declarações do Secretário de Comércio Willbur Ross, as renegociações vão além de apenas a atualização e adequação do Nafta as novas dinâmicas de comércio. Na visão de Ross, o México e Canadá já fizeram concessões para entrada no Acordo Transpacífico (TTP) e, por isso, seria possível ir além em alguns dos pontos negociados . Já México e Canadá concordam da importância de modernização do acordo, mas se mostram céticos quanto algumas das demandas norte-americanas.

Outros pontos que poderão ser parte das negociações são:

 

A primeira rodada de negociação já indicou as dificuldades para se alcançar um acordo no tempo proposto. Além disso, o estilo intimidador do presidente Trump não contribui para que as negociações avancem na construção de uma agenda ganha-ganha. Ele já afirmou, mais de uma vez, que prevalecerá o “America First” e que o Nafta não é um acordo justo para os Estados Unidos. Por outro lado, os setores econômicos norte-americano têm se mobilizado para mostrar os impactos negativos da saída dos Estados Unidos do Nafta e que, algumas vezes, um acordo ruim é melhor do que nenhum acordo. Agora é acompanhar as próximas rodadas para saber qual estilo negociador prevalecerá: o estilo ganha-perde ou ganha-ganha.

Referências:

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SCOTT, Robert Heading South U.S.-Mexico trade and job displacement after NAFTA. EPI BRIEFING PAPER. Economic Policy Institute, May 3, 2011. Briefing Paper n. 308. Disponível em: http://www.epi.org/files/page/-/BriefingPaper308.pdf

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Beatriz Amaral

Beatriz Amaral Analista Júnior Bacharelanda em Relações Internacionais

Luísa Lotto

Luísa Lotto Analista Júnior Bacharelanda em Relações Internacionais

Caio Nielsen

Caio Nielsen Analista Júnior Bacharelando em Relações Internacionais