Os novos riscos ao petróleo

Já virou chavão, mas não custa lembrar, a idade da pedra acabou sem que as pedras tivessem acabado, assim como a era do carvão acabou sem que o carvão tivesse acabado.
Desde a década de 1970 há o debate sobre quando se daria o declínio da produção de petróleo, sem que este não tenha chegado. Muito pelo contrário, por diversos motivos, principalmente a lógica do mercado, descobertas de novas reservas mantiveram a perspectiva do seu declínio adiado.
Hoje algumas situações têm levado à uma nova discussão, a do fim da importância do petróleo no mundo sem que, efetivamente, as reservas entrem em declínio.

Mudança de cultura

Com a aceitação por uma grande parte da população dos países desenvolvidos de que há um aquecimento global, cresceu fortemente a pressão sobre seus governos para tomada de medidas para contê-lo, assim como sobre empresas para que passassem a ter uma atitude diferente em relação ao tema.
O encontro de 2015 do G-7, o grupo das sete maiores economias do mundo, produziu um comunicado final no qual estes governos se comprometiam com a descarbonização das suas economias até o ano de 2100. Por mais que tenha sido uma promessa longe de ser colocada em prática no curto prazo, e por isto mesmo, gerou muitas críticas contra essa postura, na realidade o documento teve como propósito sinalizar a disposição que estes países tinham em relação ao tema, uma vez que as negociações para o Acordo de Paris sobre o Clima se aproximava.
Na Europa, este tema não é novidade, afinal, desde 2011 há discussão na Comissão Europeia sobre o banimento de carros movidos a gasolina ou diesel nos centros urbanos das grandes cidades europeias (1). Esta política ganhou força recentemente, quando, no início de 2016, vários governos começaram a discutir sobre o banimento de carros movidos com estes combustíveis até o ano de 2025, como Noruega, Suécia, França, Bélgica, Holanda e Suíça (2). Este ano esta postura foi reforçada com o pronunciamento em julho do novo ministro do meio ambiente francês Nicolas Hulot deque o governo irá propor uma legislação que prevê o fim da venda de carros movidos a estes combustíveis em 2040(3). E, no Reino Unido, a mesma medida começou a ser discutida e o ministro do meio ambiente britânico Michael Gove prometeu para este ano apresentá-la ao parlamento (4).

A força do mercado

Há ainda uma outra força crescendo, dos automóveis elétricos que estão ganhando espaço no mercado. Até recentemente, as perspectivas para os automóveis elétricos eram de serem um nicho, tendo a Tesla como a principal empresa neste ramo. Com modelos custando entre U$ 69 mil e U$ 83 mil, a empresa obteve somente 0,3% do mercado de carros dos Estados Unidos que vende em torno de 17,5 milhões de carros e caminhões leves em 2016 (5).
Em junho desse ano as vendas de carros elétricos no mercado americano cresceram 96% comparados com os números de um ano antes, sendo que os híbridos cresceram 42% no mesmo período (6). E o mais importante, estes dados não incluem as vendas do Model 3 da Tesla, que somente em julho começou a vender este modelo mais acessível, que custa U$ 35 mil. A empresa já anunciou que pretende levantar U$ 1,5 bilhão em oferta de bônus para poder ampliar sua produção para a escala de 10 mil unidades por semana até o final de 2018 e zerar a lista de espera prevista que deve chegar a 500 mil pessoas (7).
Outra força do mercado que se mostra forte é em relação à geração de energia. Quando o presidente norte americano Donald Trump anunciou medidas para incentivar a indústria do carvão em março de 2017, muitos falaram de uma reversão das políticas ambientais do governo Obama. Contudo, não é o que o mercado espera.

Ganha/Perde

Assim, com uma mudança na cultura em relação aos automóveis convencionais, como na percepção do aquecimento global e a força dos mercados, os dias do motor à combustão devem chegar a um declínio ainda na próxima década.
Por isso mesmo, como apontou a The Economist de 12 de agosto de 2017 (9), a tendência é de que aqueles países que tenham custos de extração mais caros procurem aumentar a produção, para que não fiquem com petróleo “inútil” no subsolo, levando a um aumento dos investimentos nessa área. Por outro lado, os países com custos menores também tenderão a aumentar sua produção para não ficar para trás, como na região do Golfo Arábico/Persa, fazendo o preço variar muito e os países dependentes desse recurso sofrerem muito.
A queda dor peço do petróleo poderia ser prejudicial à competitividade do carro elétrico, mas essa realidade vai favorecer a geração de eletricidade de usinas a gás natural, que, como visto, já é uma tendência, nos EUA e outros países desenvolvidos.
Isto não significa o fim da importância do petróleo e seus derivados, afinal, transportes aéreo/marítimo ainda dependem deles, assim como a indústria de plástico.
Mas, como a revista britânica chama a atenção, a cadeia industrial ligada ao automóvel à combustão é que está em maior risco, e, consequentemente, os países que são dependentes desta.
Pode-se dizer também que, aqueles governos que contam com os impostos advindos da indústria do petróleo, da extração ao refino para gasolina e diesel poderiam gerar no futuro, também estão em risco, pois estas estimativas não deverão ser alcançadas. Isto significa menos recursos financeiros para investimentos em serviços básicos, por exemplo. Isto sem falar dos empregos que serão perdidos.

Notas

(1) WATERFIELD, Bruno EU to ban cars from cities by 2050, The Telegraph, 28 Mar 2011. http://www.telegraph.co.uk/news/worldnews/europe/eu/8411336/EU-to-ban-cars-from-cities-by-2050.html
(2) Several European Countries to Follow Norway’s Lead, Ban Fuel-Powered Cars, 04 de Jan 2016. https://pedestrianobservations.com/2016/04/01/several-european-countries-to-follow-norways-lead-ban-fuel-powered-cars/
(3) LEWIS, Rachel. France to Ban Sales of Gas, Diesel Vehicles by 2040. Time, Jul 06, 2017 http://time.com/4846761/france-to-ban-sales-of-gas-diesel-vehicles-by-2040/
(4) ASTHANA, Anushka; TAYLOR, Matthew. Britain to ban sale of all diesel and petrol cars and vans from 2040, The Guardian, 25 Jul 2017 https://www.theguardian.com/politics/2017/jul/25/britain-to-ban-sale-of-all-diesel-and-petrol-cars-and-vans-from-2040
(5) THE WALL STREET JOURNAL. Auto Sales, )1 Auf 2017. http://online.wsj.com/mdc/public/page/2_3022-autosales.html
(6) SHAHAN, Zachary. Big Auto’s Fully Electric Car Sales Up 102% In USAJuly 5th, 2017 https://cleantechnica.com/2017/07/05/big-autos-fully-electric-car-sales-102-usa/
(7) O ESTADO DE SÃO PAULO, 08 de agosto de 2017, p. B12.
(8) BLOOMBERG, First-of-Its-Kind Clean Coal Plant May Not Burn Coal at All. 21 de junho de 2017 https://www.bloomberg.com/news/articles/2017-06-21/a-first-of-its-kind-clean-coal-plant-may-end-up-burning-no-coal
(9) THE ECONOMIST The death of the internal combustion engine. 12 Aug 2017https://www.economist.com/news/leaders/21726071-it-had-good-run-end-sight-machine-changed-world-death

Beatriz Amaral

Beatriz Amaral Analista Júnior Bacharelanda em Relações Internacionais

Luísa Lotto

Luísa Lotto Analista Júnior Bacharelanda em Relações Internacionais

Caio Nielsen

Caio Nielsen Analista Júnior Bacharelando em Relações Internacionais