O reconhecimento do conflito de normas entre sistemas jurídicos é tema recorrente na abordagem da temática referente aos contratos internacionais. Assim, a Convenção de Viena sobre Compra e Venda Internacional de Mercadorias, também conhecida pela sigla em inglês CISG – Convention on Contracts for the International Sales of Goods –, ratificada pelo Brasil em 2014,[1] indica uma importante contribuição na promoção da segurança jurídica no campo dos contratos internacionais.
A necessidade da construção de um documento normativo que transcenda os limites do Estado não deve ser concebida como uma demanda recente, mas, trata-se de uma realidade consubstanciada na própria dinâmica das trocas comerciais desenvolvidas ao longo da história. A CISG apresenta-se, assim, uma tentativa de resposta às demandas advindas da insegurança jurídica trazida pelo conflito de normas no espaço, realidade vislumbrada na dinâmica dos contratos internacionais e que, por vezes, pode representar um entrave bastante significativo ao comércio internacional.
Na temática da mitigação da insegurança jurídica, ressaltam-se dois aspectos apresentados pelo texto convencional que corroboram com essa perspectiva, quais sejam: a promoção de unificação do regramento internacional da compra e venda e a uniformização da sua interpretação, ou seja, a implantação de um cânone hermenêutico que prescinda dos parâmetros interpretativos do sistema jurídico doméstico.
A promoção da unificação do regramento voltado aos contratos de compra e venda de mercadorias apresenta-se como inclinação dos Estados à criação de um documento que regulamenta referidos instrumentos obrigacionais sem indicação específica a um ambiente doméstico. De toda forma, ressalta-se que o texto da Convenção sofreu influências de algumas tradições jurídicas, notadamente, alemã, francesa, inglesa e americana.
A busca pela unificação das regras traz em si a tentativa de facilitação das trocas por meio da padronização das regras e por maior facilidade de comunicação entre os contratantes sem que as diferentes legislações sejam impeditivas das relações comerciais, minimizando os conflitos de lei no espaço
De maneira sintetizada, pode-se aventar que a ideia da unificação apresenta, potencialmente, a redução de custo com litígios acerca da execução dos contratos internacionais de compra e venda. Essa redução pode ser assimilada de duas maneiras: a primeira versa sobre o desaparecimento das questões voltadas à escolha de lei aplicável, pelo menos naquilo que diz respeito à CISG; assim, as partes economizariam a barganha, eventualmente necessária, para que uma lei fosse escolhida em detrimento de outra. A segunda é que a lei aplicada não seria estrangeira a nenhuma das partes e, portanto, não haveria a necessidade de novo aprendizado.[2]
Em relação ao segundo aspecto pode-se citar a uniformização da interpretação da Convenção. Dispositivo contido no artigo 7 (1) (2) CISG em que os recursos hermenêuticos preponderantes em uma dada ordem jurídica devem ser ponderados para abarcar os preceitos de uniformidade internacional da Convenção. Dessa maneira, é possível alcançar a almejada interpretação uniforme e a consolidação de uma jurisprudência de orientação internacional, embora produzida pelos Tribunais domésticos e pela arbitragem.
Nesse mesmo sentido, a busca pela interpretação e aplicação uniforme da CISG abre um espaço para a responsabilidade quando da sua aplicação no campo doméstico, obviamente levando em consideração os critérios de validade da norma com base na estrutura escalonada – aqui se referindo ao texto constitucional. Recai, portanto, ao aplicador do texto da CISG a responsabilidade da interpretação própria desejada pelo texto internacional, ponto importante do próprio desejo da gênese do texto, dos Estados contratantes da Convenção e dos que apoiam a segurança jurídica proposta pela uniformização das regras relacionadas aos contratos de compra e venda internacional.
Nesse caso, portanto, não importa quais são os sistemas interpretativos dominantes no Brasil ou em qualquer outro Estado, mas, sim, a aplicação uniforme. Essa alteração de paradigma é importante e traz uma mensagem até mesmo em relação ao estudo do direito internacional em solo doméstico. Isso tudo porque cabe aqui uma crítica à maneira com a qual pouco se relaciona o estudo do Direito nas suas bases tradicionais e dogmáticas ao estudo do direito internacional – abrindo o campo de atuação e transversalidade com outros elementos alienígenas aos Códigos nacionais, textos que são a base de estudo dos discentes neste país.
Pode-se inferir que os argumentos em favor da uniformização estão ligados às incertezas que uma relação de negócios no âmbito internacional poderia gerar e aos custos envolvidos nesse desenrolar. Assim, a CISG, a princípio, contribuiria para a melhoria do ambiente legal ao propor o mesmo regramento jurídico dentro do seu escopo de aplicação.
A escolha da lei aplicável em um contrato internacional pode ser matéria complexa, haja vista as implicações contidas nesse tipo de convenção entre as partes. A disposição, em si, detona um ar de simplicidade, entretanto a falta de escolha da lei aplicável pode tornar a relação ainda mais sensível e complexa.[3]
Obviamente, aponta-se que não apenas a superação das diferenças é suficiente para o sucesso da unificação das regras, mas, também, e talvez aqui encontra-se as questões mais ambiciosas do texto, a sua interpretação e aplicação. Assim, os recursos hermenêuticos preponderantes em uma dada ordem jurídica devem ser ponderados para abarcar os preceitos de uniformidade internacional da Convenção. Dessa maneira, é possível alcançar a almejada interpretação uniforme e a mitigação dos riscos por meio da consolidação de uma jurisprudência de orientação internacional, embora produzida no âmbito doméstico.
Notas:
[1] O Brasil passou a ser o septuagésimo nono país a adotar a Convenção. Detalhes a respeito dos Estados contratantes podem ser obtidos no sítio <http://www.cisg.law.pace.edu/cisg/countries/cntries.html>.
[2] CUNIBERTI, Gilles. Is the CISG Benefiting Anybody? Vanderbilt Journal of Transnational Law, v. 39, p. 1.519, 2006.
[3] CUNIBERTI, Gilles. Is the CISG Benefiting Anybody? Vanderbilt Journal of Transnational Law, v. 39, p. 1.515, 2006.