A instabilidade como nova norma: Petróleo na guerra comercial

No final de maio, dois dos maiores produtores e exportadores de petróleo do mundo, Arábia Saudita e Rússia, se reuniram para discutir um aumento na produção dessa commodity. Seria uma reversão da estratégia saudita, que buscava um aumento do preço do barril a fim de diminuir o seu déficit fiscal. Segundo estimativa do Fundo Monetário Internacional (FMI), a fim de equilibrar o seu orçamento o governo de Riad necessitaria de um valor próximo entre U$ 85 e U$ 87 em 2018[1].

Contudo, com a saída do governo Donald Trump do acordo nuclear com o Irã e a imposição de novas sanções sobre esse país, assim como o colapso da produção na Venezuela devido à crise que o país está mergulhado, têm preocupado os país exportadores para que não haja uma queda acentuada da oferta[2]. Essa mudança de postura dos exportadores levaria a um aumento entre 800 mil e 1 milhão de barris diários pela OPEP e Rússia. Mesmo assim, alguns analistas acreditam que essa cifra não será suficiente para cobrir a perda que Teerã e Caracas estão sofrendo[3].

Este movimento só aumenta a certeza de que a instabilidade dos preços deve ser a norma por alguns anos. Produtores alternativos derivados de xisto sofreram muito com a queda dos preços do petróleo em 2017, quando a média do barril ficou em torno de U$54. Desde então, com novas tecnologias e um tempo muito menor para extrair seu condensado, girando em torno de meses ao invés de 7 a 9 anos dos campos tradicionais, estes produtores voltaram a ter uma grande parcela do mercado internacional, conquistando novos clientes[4].

Dentre estes novos clientes estão, ou estavam, Índia e China. Este segundo caso se tornou mais emblemático tendo em vista que o governo de Pequim passou a utilizar as empresas chinesas como instrumento de barganha nas negociações com Washington em torno das sobretaxas aos produtos chineses que a administração Trump anunciou em abril deste ano.

O governo chinês chegou a anunciar que utilizaria empresas estatais para aumentar a compra de petróleo e cereais americanos para diminuir o seu superávit comercial[5]. A maior empresa de refino da Ásia, a chinesa Sinopec, aumentou o volume importado dos EUA para junho, sendo projetado que a importação anual subiria de 112 mil barris/dia em 2017 para 200 mil barris/dia em 2018[6]. Mesmo sem levar em conta este aumento de volume, a China já havia se tornado o maior importador de petróleo bruto dos Estados Unidos desde 2015, quando o congresso norte americano terminou com a legislação que proibia a exportação desde produto há mais de 40 anos. No total, hoje os chineses importam ao redor de 360 mil barris/dia, empatado com o Canadá o maior importador até agora[7].

Tendo em vista que nenhuma tarifa foi ainda implementada nessa guerra comercial, ainda há espaço para negociação. Contudo, nenhum dos dois lados parece estar querendo ceder primeiro, e, por isto, as ações de Pequim chamaram a atenção, uma vez que indicam que estão selecionando cuidadosamente alguns setores que podem afetar a base eleitoral do presidente Trump.

Hoje a China é a maior importadora de soja dos Estados Unidos, assim como este é o maior produtor desta commodity, ou seja, será difícil Pequim encontrar outro fornecedor tão facilmente. Contudo, logo após ser divulgado que poderia haver esta retaliação, o preço da soja caiu 4% nos mercados, ou seja, U$ 0,40, para U$ 9,97 a saca, valor que se aproxima do custo de produção de vários fazendeiros do meio este, preocupando vários produtores[8].

Além de fazendeiros, empresários americanos começam a questionar a estratégia do governo Trump. Após o anúncio de que aviões (depois retirados) e carros também seriam sobretaxados no mercado chinês, a Business Roundtable, que representa as grandes companhias americanas, se pronunciou no início de abril que concordava com a preocupação do governo sobre as práticas comerciais injustas da China, mas que implementar mais U$ 50 bilhões de novas tarifas sobre os U$ 100 bilhões já anunciados, só machucaria as empresas, trabalhadores e famílias americanas[9]. Ou seja, o governo chinês parece estar afetando diretamente a base eleitoral no presidente.

Assim, ao anunciar recentemente que poderá impor sobretaxas no petróleo bruto norte americano, Pequim mira outro ramo da economia norte americana que afetará não só os empresários, mas os eleitores do presidente Trump. Diferentemente da soja, há muitos produtores no mercado de petróleo, sendo possível encontrar mais facilmente quem o substitua, e assim, prejudicar os lucros dos produtores de derivados de xisto, ou seja, o Texas e vários estados do meio oeste americano. Por isto mesmo, líderes do American Petroleum Institute, grupo que representa este segmento, levariam suas preocupações ao governo, uma vez que seus associados já estão sofrendo perdas[10]. E o que chamou a atenção de analistas é que o setor de gás não foi incluído nesta lista, o que indica que outros setores ainda podem vir a ser sobretaxados se todas estas medidas forem implementadas pelos dois governos.

Pequim pode ainda usar suas importações de petróleo para prejudicar os interesses americanos em termos de política externa. Hoje o mercado chinês absorve um terço das exportações de petróleo do Irã, e muito provavelmente suas empresas não devem se sentir ameaçadas pelas penalidades que a Casa Branca implementará contra aqueles que comercializam com Teerã[11]. Portanto, efetivamente, já há substituto para o produto americano, enquanto que será difícil ter um consumidor do tamanho do mercado chinês para os exportadores norte americanos.

A tendência para o preço do petróleo para os próximos anos é de alta e com grande instabilidade. Isto se deve não só à crescente produção de derivados de xisto nos Estados Unidos e outros países, como China e Argentina, como também a mudanças nas práticas comerciais entre produtores e consumidores. Mas agora há o fator político que está trazendo mais insegurança.  Por isso mesmo não só países da Ásia e Oriente Médio estão passando por pressões sociais para a reintrodução de subsídios aos seus consumidores de combustíveis, como Indonésia e Emirados Árabes Unidos[12]. Como vimos recentemente aqui mesmo no Brasil, essas forças do mercado e da política, trouxeram incertezas e riscos aos mercados de petróleo e seus derivados.

 

Notas

[1] BARBUSCIA, Davide. Saudi Arabia needs oil at $85-$87 a barrel to balance budget: IMF official, Reuters, 2 de Mai 2018. https://www.reuters.com/article/us-saudi-arabia-imf/saudi-arabia-needs-oil-at-85-87-a-barrel-to-balance-budget-imf-official-idUSKBN1I30H7

[2] MAZNEVA, Elena, KHRENNIKOVA, Dina, Saudi Arabia and Russia Discuss Sacling Back Global Oil Cuts. Bloomberg, 25 de Mai 2018. https://www.bloomberg.com/news/articles/2018-05-25/saudis-and-russia-say-they-re-discussing-easing-global-oil-curbs

[3] TUTTLE, Robert. Oil extends slumps as Saudi Arabia, Russia signal outoput increase, 28 de Mai 2018. http://www.worldoil.com/news/2018/5/28/oil-extends-slump-as-saudi-arabia-russia-signal-output-increase

[4] SAM, Saji, TREBINO, Juan, ORR, Bob and PETERSON, Robert D. Oil’s Boom-and-Bust cycle may be over. Harvard Business Review, Mar 01, 2018 https://hbr.org/2018/03/oils-boom-and-bust-cycle-may-be-over-heres-why

[5] TAN, Florance, GU, HALLIE, PATTON, Dominique, China sginals to state giants: ‘Buy America’ oil and grains, Reuters, 23 Mai 2018 https://www.reuters.com/article/us-usa-trade-china/china-signals-to-state-giants-buy-american-oil-and-grains-idUSKCN1IO2S2

[6] S&P Global. China’s Unipec buys record monthly volume of US crude for june lifted. 24 Mai 2018. https://www.platts.com/latest-news/oil/singapore/chinas-unipec-buys-record-monthly-volume-of-us-27986917

[7] O ESTADO DE SÃO PAULO,           Retaliação chines aos Estados Unidos inclui o Petróleo. 16 de Jun 2018.  https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,retaliacao-chinesa-aos-estados-unidos-inclui-o-petroleo,70002353117

[8] DEWEY, Caitlin. They voted for Donald Trump. Now soybean farmers could get slammed by trade war he started. The Washington Post, 5 de Abr de 2018.  https://www.washingtonpost.com/news/wonk/wp/2018/04/05/they-voted-for-president-trump-now-soybean-farmers-could-get-slammed-by-the-trade-war-he-started/?noredirect=on&utm_term=.3463e9b2759c

[9] PALMER, Doug. How Trump could lose a trade war with China. Politico, 4 de Abr de 2018 https://www.politico.com/story/2018/04/04/trump-china-trade-war-tariffs-456053

[10] CROOKS, Ed, MEYER, Gregory. China to target US energy for retaliatory action. Financial Times, 19 de Jun de 2018. https://www.ft.com/content/6fc23bbe-735d-11e8-aa31-31da4279a601

[11] EAGAN, Matt. China is the big wild card in Trump`s Iran Decision. CNN Money, 8 de Mai de 2018. http://money.cnn.com/2018/05/08/investing/china-iran-deal-oil-prices/index.html

[12] SAM, Saji, TREBINO, Juan, ORR, Bob and PETERSON, Robert D. Oil’s Boom-and-Bust cycle may be over. Harvard Business Review, Mar 01, 2018 https://hbr.org/2018/03/oils-boom-and-bust-cycle-may-be-over-heres-why

 

Beatriz Amaral

Beatriz Amaral Analista Júnior Bacharelanda em Relações Internacionais

Luísa Lotto

Luísa Lotto Analista Júnior Bacharelanda em Relações Internacionais

Caio Nielsen

Caio Nielsen Analista Júnior Bacharelando em Relações Internacionais