Este artigo tem por objetivo analisar os riscos na Hungria que derivam dos ideais de Viktor Orbán, Primeiro Ministro húngaro, do controle do Fidesz (partido do próprio ministro) sobre o país, e as possíveis consequências para a União Europeia como arranjo de governança regional. Os riscos apresentados são principalmente de natureza societais devido às políticas de imigração adotadas, além de políticos (parlamento e sistema judiciário), regulatórios (com foco em liberdade de imprensa), e econômicos devido a possibilidade de sanções por parte da UE.
A votação feita no Parlamento Europeu na última quarta-feira, dia 12, a respeito da punição à Hungria é uma resposta às políticas adotadas desde que o Primeiro Ministro Viktor Orbán ascendeu ao poder. As medidas supostamente ferem o Art. 7° do Tratado da União Europeia que tem como objetivo defender valores fundamentais da UE [1]. Orbán já chegou a criar cercas para conter o fluxo migratório, recusou resoluções da União Europeia que estipulava quotas para asilo aos Estados membros como alternativa aos problemas migratórios e criou uma lei a qual “criminaliza pessoas que possam estar facilitando a imigração ilegal”. Lei esta que abre margem para que pessoas que atuam ajudando requerentes de asilo (legal) sejam criminalizadas por supostamente contribuir com essa “imigração ilegal”[2].
Analisemos inicialmente os impactos das ações de Orbán na Hungria: seu governo tem levantado agendas arriscadas não só na parte que diz respeito à imigração, mas outros pontos ligados à democracia, como por exemplo a liberdade de imprensa. Pessoas próximas ao Fidesz adquiriram nos últimos anos importantes veículos de mídia regionais e estrangeiros, colocando boa parte dos meios de comunicação praticamente na mão do governo húngaro [3]. O Media Pluralism Monitor do European University Institute, que monitora riscos para o pluralismo de mídia, já havia apontado em seu relatório, de 2016 (último relatório divulgado), um alto risco na independência política, principalmente no que diz respeito à regulação estatal e apoio ao setor de mídia [4]. Um importante índice de liberdade de imprensa feito pelo Reporters Without Border (RWB) aponta uma queda da 67° posição (2016) para a 73° posição (2018), evidenciando o “apetite por propriedade de mídia” [5].
Está havendo também um aumento dos riscos políticos na Hungria. O índice de corrupção e transparência da Transparency International (CORRUPTION PERCEPTIONS INDEX) mostra uma queda da 46° posição (2012) para a 66° posição (2017) [6]. O Fidesz possui maioria de dois terços do parlamento, fazendo com que boa parte das políticas do país fiquem a mercê de seus interesses, com esquemas que movimentam dinheiro para o partido. O próprio poder judiciário tem sua autonomia em risco desde a criação do National Judicial Office (NJO), o qual seu presidente praticamente comanda o sistema judicial na distribuição de casos e nomeação de juízes [7].
Em resumo, o momento é de extrema complexidade. Os riscos na Hungria podem ainda se estender ao ambiente econômico caso sanções sejam executadas pela UE. Essas sanções podem incluir restrições dirigidas a setores da atividade econômica, proibições de importação/exportação de certas mercadorias, proibições de investimento, proibições de prestação de determinados serviços, etc. Ou seja, tais medidas podem afetar diretamente a balança de pagamentos húngara, tanto em transações correntes – impactando, principalmente, a balança comercial – quanto em investimentos. Há também um risco de sanção política, que última instância pode acarretar na suspensão do direito de voto. Ainda sim esta aprovação é improvável pois o prosseguimento do processo depende de uma votação por unanimidade no Conselho da UE. A Polônia, que teve seu direito a voto ameaçado no fim de 2017, devido a reformas no sistema judicial que foram consideradas ameaças à democracia, indica apoia à Hungria em caso de votação.
Com base no que foi visto, pode-se concluir que sim, as atitudes tomadas pelo governo húngaro ferem os valores da União Europeia. As questões da imprensa colocam em risco diretamente os pontos de liberdade e democracia, que juntamente com as questões políticas e do judiciário arriscam também a igualdade e a plenitude do estado de direito. Por fim, as novas leis referentes à imigração ameaçam o respeito pelos direitos humanos e pelas minorias. O ponto sensível é que com a ascensão de governos nacionalistas na Europa e uma argumentação dita como defensora da soberania, a UE tem se dividido em suas decisões quanto a Hungria. Britânicos, alemães e outros, demonstraram apoio ao governo húngaro pois as resoluções europeias estariam “invadindo questões puramente nacionais” [1]. Orbán conseguiu a façanha de não só gerar impacto dentro da Hungria, mas contribuir no processo de fragilização da União Europeia como arranjo de governança regional, principalmente no que diz respeito à Política Externa de Segurança Comum (PESC).
REFERÊNCIAS
[1] BBC. EU parliament votes to punish Hungary over ‘breaches’ of core values. 2018. Disponível em: <https://www.bbc.co.uk/news/world-europe-45498514>. Último acesso em: 13/09/2018
[2] BBC. Hungary passes ‘Stop Soros’ law banning help for migrants. 2018. Disponível em: <https://www.bbc.com/news/world-europe-44546030?intlink_from_url=https://www.bbc.com/news/topics/cx1m7zg0wjqt/hungary&link_location=live-reporting-story>. Último acesso em: 14/09//2018
[3] DRAGOMIR, Mario. The state of Hungarian media: Endgame. 2017. Media Policy Project. Disponível em:<http://blogs.lse.ac.uk/mediapolicyproject/2017/08/29/the-state-of-hungarian-media-endgame/>. Último acesso em: 15/09/2018
[4] CMPF. European University Institute. Media Pluralism Monitor 2016 – Hungary. Centre for Media Pluralism and Media Freedom. 2016. Disponível em: <http://cmpf.eui.eu/media-pluralism-monitor/mpm-2016-results/hungary/ >. Último acesso em: 15/09/2018
[5] REPORTERS WITHOUT BORDERS. Hungary. 2018. Disponível em: <https://rsf.org/en/hungary>. Último acesso em: 15/09/2018
[6] TRANSPARENCY INTERNATIONAL. CORRUPTION PERCEPTIONS INDEX 2017. 2018. Disponível em: <https://www.transparency.org/news/feature/corruption_perceptions_index_2017?gclid=CjwKCAjw2_LcBRBYEiwA_XVBUypRvqZrnmr-n8Spfrr4T7AodIXrhCiAsOa2GA1fGWqHy-Nnw3JZNxoC8CUQAvD_BwE>. Último acesso em: 15/09/2018
[7] TRANSPARENCY – HUNGARY. JUDICIARY. Disponível em: <https://transparency.hu/en/kozszektor/igazsagszolgaltatas/>. Último acesso em: 15/09/2018
[8] CONSILIUM. Medidas restritivas da EU. 2017. Disponível em: <http://www.consilium.europa.eu/pt/policies/sanctions/different-types/>. Último acesso: 15/09/2018.
[9] G1. União Europeia avança em processo legal para retirar direito de voto da Polônia. 2017. Disponível em: <https://g1.globo.com/mundo/noticia/uniao-europeia-avanca-em-processo-legal-para-retirar-direito-de-voto-da-polonia.ghtml>. Último acesso: 18/09/2018
Beatriz Amaral
Beatriz Amaral Analista Júnior Bacharelanda em Relações Internacionais