Novos tempos para a política francesa

O resultado da eleição presidencial francesa evidenciou um rompimento com a tradicional disputa entre os partidos Republicano e Socialista para dar espaço ao iniciante En Marche, liderado por Emmanuel Macron.
Nas eleições deste ano, o primeiro turno ocorreu no dia 21 de abril, quando os candidatos Emmanuel Macron e Marine Le Pen, líder do partido de extrema direita Frente Nacional, se garantiram para a próxima fase com, respectivamente, 23,9% e 21,4% dos votos; já o segundo turno ocorreu no dia 07 de maio com a vitória do candidato centrista por 65,5% dos votos. Os eleitores de Macron concentraram-se nas áreas urbanas do país, com destaque para as cidades de Paris, Bordeaux, Lyon e Nantes, e entre os eleitores pertencentes ao grupo etário dos 35-64 anos. Além disso, o candidato foi o escolhido da população economicamente ativa e com maior poder aquisitivo.
Posterior às eleições presidenciais, o país retornou às urnas em junho para escolher os representantes da Assembleia Nacional. As eleições parlamentares apresentaram um novo desafio para o presidente recém-eleito, que testou o alcance do poder do seu partido e também a busca de apoio junto aos republicanos e socialistas para avançar a sua agenda liberal. A indicação de Edouard Philippe ao cargo de primeiro-ministro indicou a sua disposição para atrair outras vertentes políticas para o seu Governo e, com isso, implementar um novo estilo político no país.

A renovação política na França
A ascensão de Macron, de um lado, apresenta um contexto de renovação ao sistema política francês e europeu e, por outro lado, também expõe as fissuras entre os partidos tradicionais. Os resultados das eleições parlamentares indicaram uma ampla vitória do partido a República em Marcha (REM) e seu aliado de centro Movimento Democrático (MoDem), que obtiveram 350 cadeiras, enquanto os dois partidos tradicionais, Partido Socialista (PS) e Partido Republicano (PR), diminuíram o peso eleitoral. O Partido Socialista (PS) e seus aliados foram os que mais perderam, pois elegeram apenas 42 parlamentares. O Partido Republicado (PR) e aliados elegeram 132 parlamentares, mantendo-se como a segunda maior força partidária no país.

A obtenção de maioria nas eleições parlamentares confere status e concede ao partido maior influência na Assembleia Nacional, com assentos em comitês e um papel na definição da agenda doméstica do país. A aliança entre o partido República em Marcha e o Movimento Democrático – resultado a aliança entre o republicano Edouard Philippe e Macron – inscreveu 428 candidatos para as eleições, sendo que desses 255 eram mulheres. Macron já tinha adotado proposto ampliar a participação feminina na política na indicação para os cargos de ministro e assessores, dos 22 postos ministeriais 11 foram ocupados por mulheres. Os resultados eleitorais reforçaram a maior presença feminina no Parlamento, com um crescimento de 43% do número de mulheres eleitas entre 2012 e 2017.

Reforçando a estratégia de atração de jovens, apenas 5% dos candidatos escolhidos eram deputados no parlamento francês. Além disso, o partido de Macron recorreu à popularidade adquirida nas eleições presidenciais e o plurirregionalismo de seus candidatos para conquistar o apoio dos eleitores, pois caso não ganhasse a maioria, ele teria que negociar acordos com outras partes, a fim de promover sua agenda legislativa. Com a maioria no parlamento, Macron poderá se concentrar na ambiciosa agenda econômica e, especialmente, nas mudanças na legislação trabalhista. A expectativa, após a vitória legislativa, é que a reforma trabalhista possa ser aprovada até o final de setembro, as revisões do sistema de seguro desemprego e treinamento profissional ficariam para o final do ano, e as discussões sobre previdência para 2018.
Se de um lado, a vitória expressiva do partido República em Marcha apresenta um expressivo apoio da população ao estilo Macron, por outro lado, com o enfraquecimento dos partidos tradicionais e a baixa participação eleitoral no 2º turno das eleições parlamentares – apenas 42,6% dos eleitores votaram – os dilemas presentes na crise de representatividade ainda persistem no sistema político francês, tornando-o suscetível ao discurso nacionalista e extremista. Além disso, os escândalos que atingiram alguns dos novos ministros indicados por Macron podem ampliar o desgaste do sistema político junto à população, com também fortalecer os grupos de oposição ao seu governo tanto da extrema direita, quanto da extrema esquerda.

Aliados e opositores ao Governo Macron
A segunda maior força parlamentar é o Partido Republicano, que o candidato Francois Fillon ficou em terceiro lugar na eleição presidencial e perdeu credibilidade e apoio popular devido às investigações sobre desvio de dinheiro durante seu mandato como senador. O partido tem políticos importantes, como o ex-presidente Nicolas Sarkozy e Alain Juppé, segundo na disputa pela nomeação presidencial republicana em novembro de 2016. Apesar das divergências entre os seus líderes, o partido apoia a agenda econômica liberal de redução do papel do Estado na economia, com também o corte de impostos e reformas das legislações trabalhistas e previdenciárias.
O Partido Socialista obteve o pior resultado eleitoral de sua história e ampliou os questionamentos sobre a sua existência na política francesa. O líder Benoît Hamon, que declarou a opoio à Macron no 2º turno da eleição presidencial, defendeu a implementação de políticas de livre mercado, o auxílio financeiro aos desempregados e a facilitação para contratar e demitir trabalhadores. As dúvidas sobre a atuação do partido e a capacidade de Hamon liderar a renovação do partido somente se ampliaram após as eleições.
Um dos principais opositores ao Governo é Jean-Luc Mélenchon, que foi o quarto na disputa política, com aproximadamente 14% dos votos. O representante do partido esquerdista França Insubmissa se destacou na disputa eleitoral pelo uso inovador das mídias sociais, que atraíram os grupos de 18 a 34 anos e 35 a 49 anos, e pelas políticas sociais, como o auxílio desabrigo, conquistando os eleitores com menor poder aquisitivo; apesar disso, a candidata Le Pen foi a mais popular entre os grupos votantes jovens. A aliança à esquerda elegeu 27 deputados e se coloca como a principal força de oposição ao Governo Macron, com capacidade de mobilização dos jovens e dos desencantados com os políticos tradicionais.
Outra força opositora ao governo é liderada por Marine Le Pen que ficou em segundo lugar na disputa presidencial, quando obteve 25% dos votos, mas não conseguiu o bom desempenho nas eleições parlamentares. O discurso nacionalista e anti-imigração de Marine Le Pen não atraiu apoio entre os eleitores franceses para a Assembleia Nacional, sendo que Frente Nacional elegeu 8 deputados. No entanto, Le Pen acredita que será capaz de exercer pressão e mobilização, se as políticas econômicas não reverterem os efeitos negativos nas taxas de emprego. Tanto Mélenchon, quanto Le Pen apostam no poder de mobilização contra as reformas que o governo buscará implementar.

Governo Macron: grandes expectativas e muitos desafios
Durante sua atuação como Ministro da Economia ficou conhecido pela “Lei Macron”, um projeto de lei que permitiu as lojas a abrirem mais vezes aos domingos, além de desregulamentar alguns setores da indústria. Seguindo a lógica de suas contribuições anteriores, sua agenda atual fundamenta-se em princípios economicamente liberais e pró-business, que serão implementados através da flexibilização da regulamentação trabalhista, do aumento da contribuição para a segurança social – com exceção aos subsídios de desemprego e dos menores rendimentos de pensão.
A sua primeira grande batalha legislativa será a aprovação da sua proposta de reforma trabalhista. Macron propõe uma ampla descentralizada das relações trabalhistas, permitindo maior liberdade para empresas e empregados negociarem o horário de trabalho, horas extras e salários. Em 2014, Holland propôs uma ampla reforma trabalhista e ocorreram grandes e intensas manifestações. Por isso, espera-se que Macron também terá que lidar com as grandes mobilizações dos sindicatos. No entanto, o momento positivo da sua gestão e a melhora dos indicadores econômicos poderão diminuir o peso das manifestações contrárias à sua proposta.
Internacionalmente, Macron propõe a criação de uma nova governança para a zona do euro, o fortalecimento da União Europeia em seus moldes atuais e se opõe à entrada de novos membros na OTAN. Após a vitória eleitoral, Macron prometeu unir e defender a França e a Europa, presando pelos “valores iluministas tão ameaçados em muitos lugares do mundo”. Porém, seu mandato será marcado por duras tentativas de união em uma Europa fragmentada, principalmente com o Brexit, e os questionamentos de Trump sobre a efetividade do bloco e a segurança transatlântica.
A defesa de Macron dos limites da UE sobre os déficits orçamentários, o apoio a mercados abertos e as promessas de uma desregulamentação favorável ao crescimento atraiu aliados da parceira pró-união européia, como a Alemanha. Apesar disso, a iniciativa de reforçar o sistema bancário da área do euro através da partilha de riscos soberanos e a criação de um programa comum de garantia de depósitos aumentou a insegurança dos alemães quanto a sua responsabilidade com os outros países do bloco.
Os desafios para a União Europeia e a França são muitos, mas, de maneira geral, os líderes europeus mostram um maior otimismo de que a vitória de um líder francês pro-integração. Após este momento de euforia pós-vitória é importante acompanhar os passos do e como Macron lidará com as expectativas dos franceses por mudança e uma nova política no país.

Beatriz Amaral

Beatriz Amaral Analista Júnior Bacharelanda em Relações Internacionais

Luísa Lotto

Luísa Lotto Analista Júnior Bacharelanda em Relações Internacionais

Caio Nielsen

Caio Nielsen Analista Júnior Bacharelando em Relações Internacionais